A procura por beleza estética vem crescendo no Brasil. As pessoas têm buscado a beleza para ter uma pele bonita e saudável. Para isso, a população pode contar com diversos tratamentos estéticos para a saúde com resultados cada vez mais sofisticados.
Vale salientar que são inúmeras as intervenções que podem melhorar o aspecto da pele, clareando manchas, reduzindo a oleosidade, fechando os poros, melhorando a flacidez e outros sinais de envelhecimento. Contudo, os recentes casos de mortes de pacientes após os procedimentos vêm chamando a atenção das pessoas e de autoridades. Em 1 mês foram dois episódios, um em São Paulo (SP), envolvendo um empresário de 27 anos, e o mais recente, o falecimento de uma influenciadora digital de 33 anos, em Brasília (DF). Em decorrência desse primeiro caso citado, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu proibir a importação, fabricação, manipulação, comercialização, propaganda e o uso de produtos à base de fenol em procedimentos de saúde em geral ou estéticos. Em nota, a Anvisa informou que a determinação tem como objetivo zelar pela saúde e pela integridade física da população, “uma vez que, até a presente data, não foram apresentados à agência estudos que comprovem a eficácia e segurança do produto fenol para uso em tais procedimentos”. Para entender e esclarecer opiniões sobre esses assuntos, entrevistamos a Ana Cássia Mendes Ferreira – Enfermeira Dermatológica (Registro Coren DF nº 212225), Brasília (DF). Ela atende em uma clínica de estética em Valparaíso de Goiás (GO) e em outras regiões, e comentou que as pessoas estão com mais medo de realizar os procedimentos estéticos, seja lá quais forem. “Estão dizendo que precisam pensar um pouco, que necessitam de mais tempo. Isso realmente tem acontecido desde esse episódio”, disse Ana Ferreira, que ainda argumenta a resolução da Anvisa de proibir o uso do peeling de fenol em procedimentos estéticos. “Não sei se isso vai resolver o problema, porque se você quer uma ação mais profunda é só aumentar a concentração do ácido, então outros produtos podem apresentar complicações daqui pra frente. O problema não está apenas no fenol, entende?”, analisou a enfermeira. Leia a entrevista completa.
Fale um pouco da senhora e de sua experiência e especialidade na área da estética.
Me chamo Ana Ferreira, sou enfermeira há 17 anos, me formei no Rio de Janeiro e atualmente eu sou titulada pela Sociedade Brasileira de Enfermagem Dermatológica como enfermeira especialista em dermatologia. Eu atuo atualmente na Secretaria de Saúde do Distrito Federal como enfermeira, dou aula para o curso de graduação em enfermagem e há alguns anos eu já venho aprendendo e estudando acerca dos cuidados com a pele. Há 4 anos que estou empenhada nesse tema e agora, um pouco mais recentemente, tenho feito procedimentos na área da estética que são permitidos por lei. O nosso Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) já normatizou a prática da enfermagem na estética. Os procedimentos que eu realizo aqui na clínica e nos outros locais onde atendo são minimamente invasivos que oferecem riscos mínimos aos pacientes que passam.
Como é seu trabalho aqui na clínica? Quantos clientes a senhora atende por média?
Como eu tenho uma matrícula na Secretaria de Saúde do DF, o meu horário é bem apertado, mas geralmente no meu tempo livre eu atendo muitas pessoas. Isso vai depender muito da disponibilidade de horário mesmo. Aqui, normalmente, por semana, nos horários livres, eu consigo atender de uma a duas pacientes que vêm para fazer a avaliação, porque a consulta de enfermagem dermatológica é uma consulta completa e isso é muito relativo. A gente faz uma avaliação completa, faz orientações no sentido de atender determinadas necessidades, e fazemos não só o diagnóstico de doença, mas sim o diagnóstico de enfermagem, de disfunções estéticas, e a partir disso propõe o tratamento dando uma ou mais opções, o que couber no orçamento do paciente.
Na área da estética, a senhora atende em outros locais?
Sim, eu também atendo em uma sala no Gama (DF) e na Asa Sul (Brasília). Então, como eu te disse, não é a minha primeira ocupação, mas é algo que toma grande parte do meu tempo livre, inclusive às noites, aos domingos.
Vamos falar agora sobre o caso da Anvisa, que proibiu no dia 25 de junho o uso de produtos à base de fenol em tratamentos de saúde e beleza no Brasil. A medida impede a importação, fabricação, venda, propaganda e uso de produtos com fenol em procedimentos médicos ou estéticos. A Anvisa explica que a decisão foi tomada porque não há estudos científicos que comprovem a segurança e a eficácia do fenol para esses fins. A agência também está investigando os possíveis riscos à saúde relacionados ao uso da substância. Gostaria de saber a opinião da senhora a respeito dessa decisão da Anvisa. A senhora concorda ou discorda?
A primeira coisa que a gente precisa entender quando se trata desse assunto é que existem alguns tipos de peelings. Há o peeling superficial, o peeling médio e o peeling profundo. Então, o peeling superficial faz uma abrasão leve na pele, o peeling médio faz uma abrasão um pouco mais profunda, mas não chega a atingir a camada mais profunda da derme, que é a segunda camada da pele. E há o peeling profundo, e esse sim é de atribuição médica e que precisa ser realizado em um ambiente controlado com monitorização e tudo. Esse procedimento causa uma necrose extrema na pele, atingindo inclusive a parte mais profunda da derme. Bom, o primeiro ponto importante é esse, porque as pessoas estão morrendo de medo de fazer qualquer tipo de procedimento por conta dessa decisão e do incidente que ocorreu com um jovem em SP ou por não entenderem a diferença dos peelings. Na verdade, isso não repercutiu somente no que diz respeito à execução de peelings, pois qualquer procedimento estético, as pessoas estão ficando bastante preocupadas. Claro, no meu entendimento, o profissional que vai realizar procedimento estético, especialmente na área da estética avançada, precisa ter uma formação mínima necessária. Como no Brasil há diversas profissões e atribuições que ainda não estão formalmente estabelecidas, então eu acho válido que a Anvisa entre no sentido de organizar o uso de determinada substância. O que acontece é que estão circulando muitos vídeos na internet afirmando que o fenol atinge a camada mais profunda da pele, que tem uma concentração muito alta, que é extremamente ácido e tóxico, mas como relatei, há várias formulações com pequenas concentrações, que também proporcionam essa renovação da camada mais externa da pele. Por exemplo, o fenol atenuado é muito tranquilo, tem a concentração baixa e é um peeling superficial. E infelizmente a má informação tem impactado no atendimento de vários profissionais que podem sim realizar procedimentos superficiais de forma segura e profissional.
Nesse sentido, a senhora concorda ou discorda da decisão da Anvisa?
Então, eu concordo em partes. A suspensão por completo acaba prejudicando, impactando o trabalho de muitos profissionais, mas em certa medida é necessário que haja um controle do produto, que o profissional tenha condições de aplicar a concentração adequada à sua atribuição profissional. Inclusive, de acordo com o Conselho Federal de Medicina, só quem pode realizar o peeling de fenol, que é um peeling profundo, é o médico dermatologista. Portanto, somente esses profissionais que deveriam ter acesso às concentrações mais altas do produto.
A senhora trabalha com quais peelings?
A gente tem o respaldo profissional, eu na minha área como enfermeira, de realizar até o peeling médio. Aqui na clínica, como ela é especialista em odontologia, ela pode e tem o respaldo de estar executando o peeling de fenol de forma mais concentrada, ou seja, o profundo, ainda sim precisa ser feito por um médico capacitado. Mas aqui na clínica trabalhamos inicialmente com peelings superficiais.
A Anvisa proibiu o uso de fenol. Essa determinação chegou até aqui na clínica? A senhora recebeu algum comunicado?
Na verdade, todo mundo ficou sabendo, em termos de não pode mais usar o peeling de fenol em qualquer concentração. Isso foi algo amplamente divulgado, já tivemos o conhecimento disso e descartamos qualquer produto a base de fenol, inclusive nas redes sociais o pessoal já está até postando o mesmo procedimento que antes era com o fenol, agora com outros ácidos. Não sei se isso vai resolver o problema, porque se você quer uma ação mais profunda é só aumentar a concentração do ácido, então outros produtos podem apresentar complicações daqui pra frente. O problema não está apenas no fenol, entende? Mas a gente já está sabendo disso, não ultrapassamos o âmbito da nossa atribuição profissional.
Qualquer pessoa pode chegar aqui na clínica e agendar o tratamento estético? Há restrições?
A entrevista ou a primeira consulta dermatológica é extremamente importante. É nesse momento que eu costumo falar e conhecer os pacientes, saber de seu estilo de vida, o que ela come, como é a hidratação, se ela está dormindo bem, se faz exercício físico, se tem alergia, qual é o histórico de saúde dela, tudo isso justamente para poder indicar com segurança quais serão os procedimentos mais apropriados. Lembrando que a estética é minimamente invasiva, com riscos bem inferiores àqueles que são oferecidos por procedimentos estéticos mais radicais, como no caso de uma cirurgia plástica, por exemplo. A indicação de cada procedimento vai depender sempre da situação do paciente.
A senhora já passou por algum caso que possa ter fugido do controle, algo que deu errado? Como é que vocês trabalham por eventuais problemas em pacientes?
Nunca passei, pelo menos no âmbito da estética, por situações que fujam do controle, justamente porque costumamos ter uma previsibilidade do que vai acontecer. Isso só é possível porque eu entrevisto e conheço paciente e se eu sei qual é o procedimento que eu vou executar.
Algum paciente quis fazer o procedimento e a senhora teve que negar por conta de um problema de saúde dessa pessoa?
Sim, aconteceu com uma mulher que estava com pressão alta, sentindo muita dor de cabeça, estava em pico hipertensivo. Falei para ela procurar primeiramente um cardiologista, pois precisava controlar sua pressão antes de pensar em fazer qualquer procedimento estético. Posso ter perdido a paciente, mas minha maior preocupação é pela saúde do paciente. Como enfermeira, sabemos que cada pessoa e cada vida humana é única e importante e jamais poderia tomar qualquer atitude no sentido de colocar aquela vida em risco.
No dia 3 de junho, houve o caso da morte do empresário Henrique da Silva Chagas, de 27 anos, após realizar um peeling de fenol 5 dias antes de seu falecimento. Ele buscava fazer o tratamento em uma clínica de estética em São Paulo. A senhora acredita que esse caso em específico, que tomou grande proporção, possa levar as pessoas a terem medo em fazer tratamentos estéticos, usando ou não o fenol? (leia nota acrescentada no final da reportagem)
Esse caso teve uma proporção muito grande, realmente, principalmente por se tratar de uma pessoa jovem e que talvez não precisasse desse procedimento de forma tão invasiva e que infelizmente veio a óbito. Então, a gente observou que as pessoas ficaram com muito medo de realizar os procedimentos estéticos, seja lá quais forem. Estão dizendo que precisam pensar um pouco, que necessitam de mais tempo. Isso realmente tem acontecido desde esse episódio.
Já finalizando a nossa conversa, a senhora deseja acrescentar algo a mais?
A única coisa que eu gostaria de falar é que os procedimentos que são realizados, especialmente aqui por nós, são procedimentos que são minimamente invasivos, oferecem riscos, mas são mínimos, e que a gente procura a segurança do paciente em primeiro lugar. São anos de estudo, experiência e formação para que a gente pudesse estar realizando procedimentos de forma segura e trazendo bons resultados. Sempre que tiver dúvida, procure um profissional de nível superior para estar realizando o procedimento estético, converse com ele antes, tire todas as suas dúvidas, porque é uma forma de você garantir que vai realizar o procedimento com quem, de fato, tem capacidade para isso.
Nota:
A morte da influenciadora digital Aline Maria Ferreira, 33 anos, provocada também após um procedimento estético não foi citada na pergunta, pois a entrevista fora realizada antes da fatalidade com a paciente, no dia 3 de julho. Segundo a Polícia Civil de Goiás, a dona da clínica não tem registro de biomédica e foi presa pela corporação após a morte da mulher, suspeita de crimes contra as relações de consumo e lesão corporal seguida de morte. O consultório foi interditado pela Vigilância Sanitária. O caso ocorreu em Goiânia (GO).
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