Por: Janinne Vivian
Em uma jornada além das manchetes e narrativas convencionais, o ativista social e jornalista brasileiro Maurício Melo, João Pessoa(PB), mergulhou nas complexidades do conflito entre Israel e Palestina no ano de 2019, e hoje reúne dados pouco difundidos na mídia convencional para divulgar a situação ocorrida nos territórios afetados. Através desta entrevista, ele revela experiências vividas durante sua estadia na Palestina, descrevendo uma realidade marcada por restrições, opressão e resistência. Incitando à reflexão sobre a importância de olhares críticos e fontes diversas para compreender de forma abrangente o cenário geopolítico que persiste há décadas, Maurício destaca que sua ideia era conhecer a realidade da intifada, para além do que lia a respeito. Confira:
O que levou o senhor aos solos palestinos e o que o senhor sentiu e viu naquele lugar?
Bom, em 2019, eu fiz um tour politico junto com um grupo. Acho que de jornalistas só tínhamos eu e a minha esposa, os demais eram profissionais de outras áreas. A ideia era conhecer a realidade da Palestina, para além do que a gente lia a respeito. A gente queria conhecer aquele cenário. Nós temos uma amiga do Rio Grande do Norte que morava na Palestina e que desenvolvia projetos sociais lá. Vou preservar o nome dela agora, pois um dos problemas em relação a Israel é a perseguição. Então, a proibição de passar no checkpoint do aeroporto e não ter visto prévio, ao chegar no aeroporto, passa por uma entrevista e eles decidem se vão deixar você entrar ou não. Uma das fases da entrevista é a pesquisa do nome na internet, os críticos de Israel são barrados. Essa minha amiga, promovia esses tours, e tinha outra pessoa que estava no mesmo grupo que eu, por exemplo, que promove tours parecidos em Cuba. Então, a ideia é que a gente possa conhecer realidades que só conhecemos através de livros ou de maneira enviesadas através da mídia. Feito esse preâmbulo, o meu grupo tinha 10 pessoas e ficamos hospedados num campo de refugiados em Belém, cidade próxima a Jerusalém. Fomos recebidos por uma família e ficamos em Aida. A gente se deparou com uma realidade bem dura e difícil, que muitas vezes a gente duvidava que fosse como é quando a gente ouvia alguém contar. “Ah, isso deve ter algum exagero”. Infelizmente, não tem exagero. A realidade é a seguinte: o povo palestino, hoje (isso eu tô falando em 2019, mas de lá pra cá piorou) Israel e a Cisjordânia, dividem o que antes era só Palestina. Acontece que mesmo na área que é considerada Cisjordânia, (a Cisjordânia que restou da antiga Palestina) é cercada de um lado pela Jordânia e do outro pelo que é chamado hoje de Israel. Fica espremida entre Israel e o mar. É uma região muito pequena. Então, somando Cisjordânia e Israel é uma área menor que o estado do Espírito Santo (BR), um estado pequeno no Brasil. É tudo muito próximo, e Israel sempre alegando questão de segurança, foi aumentando a sua administração da Palestina. Então, hoje nos temos Israel e Palestina, sendo controladas por Israel. A princípio, um muro foi feito ao redor da Cisjordânia e Israel disse que era pra proteger. Com o passar do tempo, os muros foram se ampliando, não só em altura, mas também para dentro da Cisjordânia. Israel, também domina os recursos naturais. Se existe uma fonte de água na Cisjordânia, ele é cercado e ganha um posto militar de Israel para cuidar daquele recurso. Os palestinos não têm autonomia pra cuidar da própria água. Israel tem uma lei que proíbe os palestinos de furar postos ar artesianos e tem outra lei que proíbe os palestinos de captar água da chuva, então as casas não podem ter calhas. A lei de Israel diz que a maioridade penal na Palestina é de 12 anos, pra Israel a maioridade deles é 18 anos. Então, você vê presídios israelenses com crianças de 12,13, 14 anos. Existe uma política de fichamento dos palestinos em que se procura prender logo cedo as crianças, ainda que provisoriamente, por motivos banais “tava jogando pedra no muro”. Uma vez fichadas, a lei de Israel (sempre a lei de Israel, né?) faz com que os soldados tenham autorização para invadir a casa desse menino fichado pra buscar para o interrogatório ou pra uma prisão provisória que nem precisam ter razão de ser dita. E ele fica prezo por tempo indeterminado. Veja, sem julgamento. Eles têm advogados palestinos, mas o advogado precisa de uma autorização para entrar em Israel. Veja que são muitos mecanismos para oprimir o povo palestino. Entre as punições mais comuns, está a destruição da casa do preso.
O exercito de Israel entra para destruir a casa do palestino?
Sim. Uma vez decidido que aquele camarada vai ser punido dessa forma, o exército [de Israel] vai com tratores e derruba a casa. Ainda que ele seja apenas um dos moradores daquela casa.
E o que acontece com outras pessoas que estivessem morando naquele lugar?
Vão ter que procurar outra casa ou vão ter que reconstruir. A casa em que eu fiquei, por exemplo, no campo de refugiados, já havia sido destruída duas vezes. E aí, os moradores se organizam e vão reconstruindo a casa. Uma vez foi destruída por que, antes da primeira intifada, algumas décadas atrás, o campo de refugiados era um lugar inseguro, e aí vinha sendo constantemente atacado por colonos ou por saldados. Então, existia sempre um vigia e ele tinha uma arma de caça que guardava e alguém informou que a arma estava naquela casa, aí os soldados invadiram a casa e executaram o irmão do dono da casa, na frente da família. O corpo foi arrastado e deixado na sala, como parte da punição: “Deixe o corpo aí que virá alguém buscar depois”. As histórias de muitas famílias incluem esse tipo de ação militar. Quando a casa subiu de volta, eles botaram um aviso “Aqui mora um traidor” que marcava aquela casa. E de tempos em tempos, quando a tropa passava, eles gritavam ou davam tiro na casa. Eu tô citando esse caso da casa onde eu fiquei, mas isso se repetia em muitos lugares ou se repete ainda hoje.
Para que a gente entenda, o senhor foi com sua esposa em 2019 para a palestina como jornalista ou como turista?
Somos militantes dos direitos humanos, por assim dizer. Somos jornalistas, mas não fomos com nenhuma missão de fazer nada. Na volta eu acabei produzindo 3 pequenos mini documentários, artigos para o jornal, enfim… Tudo que vi lá, e ficou preso na minha cabeça, eu acabei transformando em produto jornalistico, mas ideia inicial não era essa. Inclusive, porque em muitos lugares que eu chegava com a câmera, era barrado.
E como o senhor teve acesso à casa de refugiados e como eles o acolheram?
Essa minha amiga que morava lá era quem pensava nisso. Então, ela procurava famílias que precisavam de apoio financeiro ou que estavam dispostos a oferecer algum tipo de serviço (Fizemos aula de culinária, por exemplo). Ela criou esse tour para espalhar a situação de Israel e para ajudar os grupos de ativistas sociais na Palestina que, justamente, por conta da barreira e boicotes não conseguem sobreviver. Fomos recebidos, mas pagamos pela hospedagem. É uma forma de ajudar essa família. Mas, só pra ter uma ideia de como funciona, se a gente tivesse dito que ia ficar numa casa de refugiados no aeroporto, a gente não teria entrado, quase que certamente. A gente até passou as primeiras noites em um hotel em Jerusalém.
O que o senhor sentiu, não como jornalista, mas como ser humano, produzindo os documentários? E onde podemos encontrar esses trabalhos?
Eu tenho um canal no YT (clique aqui para conferir) , meu blog e um capítulo de um livro. E o sentimento é de revolta. Como que aquilo tudo acontece e vem acontecendo há 75 anos e a gente nem sabe. A gente só sabe o que tá acontecendo em Gaza agora porque houve um ataque do Hamas. E, enquanto comunicólogo, venho desde 2019, verificando e juntando dados de todos os grandes ataques que os palestinos sofreram nos últimos anos omitidos pela nossa mídia no Brasil, que só ganhou algum destaque quando Hamas mandou um foguete pra Tel Aviv (Israel). Então, quando chega um ataque como esse do Hamas, que de fato é estarrecedor, é que vira notícia aqui.
Qual a importância que o jornalismo tem para essa difusão de dados no mundo?
A importância é tamanha. Esse conflito todo começa pela comunicação mal feita. Mal feita de propósito ou mal feita por ignorância. Historicamente, a gente vive o conflito de Israel e Palestina, colocando ocidentais como “nós” e orientais como “selvagens”. São estereótipos criados que a nossa mídia acaba reproduzindo ou não desmentindo. A importância do jornalismo é exatamente contextualizar e fazer esse tipo de análise. Não vou nem entrar em “a terra é de A ou de B?”. Vou ficar só à luz dos Direitos Humanos(DH), que é inclusive uma das prerrogativas do jornalista é de defender os DH, tá no nosso código de ética. Teríamos a obrigação de se debruçar sobre o assunto e tentar entender melhor. Se a gente olha sobre os olhos dos DH, é muito simples: tem o opressor e tem o oprimido. Não tô dizendo que os palestinos são santos ou que o Hamas deve ser perdoado. Nada disso! Tô dizendo apenas que não pode ocorrer de um estado inteiro punir uma população de 2 milhões de pessoas por conta do ato de um grupo específico que é o Hamas. Eu aqui, falo sem imparcialidade, tomando um lado, né? Mas, a gente não precisa fazer isso, basta você consultar a ONU (Organização das Nações Unidas). A ONU é o órgão que criou Israel, vamos ouvir o que eles têm a dizer sobre isso. E a ONU tem muito a dizer, a ONU condena as ocupações (que é uma outra coisa que eu verifiquei lá, quando estive, e que cresceu muito de lá pra cá. É que, para além dos territórios separados, Israel está criando bairros dentro de território palestino. São as colonias.)
Qual mensagem o senhor deixa aos leitores do JORNAL A ENTREVISTA?
A minha dica é: não acreditem em mim, façam suas próprias pesquisas, mas não fiquem somente com a grande mídia. A grande mídia não tem tempo para aprofundar, nem interesse. Os palestinos têm acesso à internet e postam a realidade deles.
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